5. À igreja em Sardes, 3.1-6
1 Ao anjo (cf.
nota 179) da igreja em Sardes (cf. nota 180) escreve: Estas coisas
diz aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas: Conheço as
tuas obras, que tens nome de que vives e estás morto.
2 Sê vigilante e consolida o resto que estava para
morrer, porque não tenho achado íntegras as tuas obras na presença do meu Deus.
3 Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido,
guarda-o e arrepende-te. Porquanto, se não vigiares, virei como ladrão (na noite), e não conhecerás de modo algum em que
hora virei contra ti.
4 Tens, contudo, em Sardes, umas poucas pessoas que não
contaminaram as suas vestiduras e andarão de branco junto comigo, pois são
dignas.
5 O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e
de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida; pelo contrário,
confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos.
6 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às
igrejas.
1 Quanto à indicação dos destinatários e à ordem de
escrever, cf. EXCURSO 1a. Sem
dúvida a auto-apresentação (EXCURSO 1b) está em
forte correlação com os versículos subseqüentes. Estas coisas diz aquele que
tem os sete Espíritos de Deus. Eles são portadores de um poder divino,
gerador de vida (Ap 1.4), que é referido de modo singularmente nítido à igreja:
e as sete estrelas (Ap 1.16,20). Nesse caso, sua plenitude de Espírito
vale para uma igreja espiritualmente morta. ―O Espírito de Deus é quem dá a
vida‖ (Jo 6.63 [BLH]). O tema da vida ecoa até no oráculo do vencedor.
Fazendo referência a esse tema,
queremos arriscar-nos a propor que o trecho seja visto com base em Ezequiel,
sobretudo os cap. 18 e 33–37. Com maior freqüência que qualquer outro profeta,
ele fala de morrer, de morte e vida. Para ele, são centrais o tema da
vivificação e o Espírito como poder da vida (Ez 37.5,10,14; 18.31).
O inquérito judicial (EXCURSO 1c) é conciso e arrasador, do qual, no entanto, segundo
o v. 4, algumas pessoas devem ser excluídas. Bengel escreve: ―Essa é uma
palavra terrível, que se torna suportável unicamente porque é proferida ainda
na presente vida‖, e porque é o Senhor quem a profere, o qual dispõe da
plenitude do Espírito e de poderes de ressurreição. Diante dele nem mesmo os
mortos ficam sem esperança.
Inicialmente atesta-se que a
igreja ―tem‖ (nota 185). Tens nome de que vives. Era uma igreja de boa
fama. Contudo essa fama engana. Também o nome de Esmirna, a fama de pobreza e
miséria, engana. Aquela igreja trazia ―a toda hora a morte de Jesus em seu
corpo‖ e apesar disso se encontrava no caminho da vida como a verdadeiramente
―rica‖ (Ap 2.9). No presente caso, no entanto, o Senhor tem de corrigir as
aparências no sentido oposto. Ainda que à vista humana não havia nada que
contradissesse a fama de Sardes de ser uma igreja viva e auspiciosa –
internamente, nenhuma tensão para cisões e, externamente, nenhum horizonte de
martírio – perguntamo-nos justamente: por que essa igreja foi deixada em paz
dessa forma? Por que Satanás, que no mais não deixa de incomodar nenhuma
igreja, se mantinha longe de Sardes? Era porque a igreja estava espiritualmente
morta. Onde reina a morte pelo pecado, não há morte pelo martírio.
Contudo ela ainda não se dá
conta dessas correlações. Ela ainda não repete Ez 37.11: ―Os nossos ossos se
secaram, e pereceu a nossa esperança; estamos de todo exterminados‖. Afinal, no
seu meio ela tem a fama de ser viva, e dessa fama ela por sua vez se sustém. A
igreja e seu contexto se embalam reciprocamente no sono. O Senhor, porém, sabe:
Estás morto. Há muito ele enxerga por trás da fachada e vê que tudo é
aparência. Em Sardes os cristãos estão falsamente satisfeitos e confiantes, são
falsamente ativos, falsamente devotos e falsamente fiéis.
2 Por meio de um chamado ao arrependimento muito
insistente (EXCURSO 1d) são
martelados cinco imperativos para dentro do dormitório da comunidade. A figura
da morte espiritual transita para a metáfora do sono espiritual (cf. Ef 5.14): Sê
vigilante (―Acorda!‖). O chamado para despertar é imediatamente relacionado
com a incumbência ao vigilante: e consolida (―fortalece‖) o resto (―restante‖)
que estava para morrer (―está prestes a morrer‖). A mesma incumbência
Ezequiel havia recebido outrora: ―eu te dei por atalaia sobre a casa de Israel‖
(Ez 3.17-19; 33.7-9). A igreja de Jesus é, conforme Ap 1.1, profetiza, ou seja,
―igreja de Ezequiel‖. Deve alertar seus arredores diante do juízo que se
aproxima. Contudo, em Sardes o Ezequiel do NT
dorme no ponto. Ele dorme e deixa dormir,
i. é, morrer. Portanto, a perseverança (Ap. 1.9) definhou na igreja em Sardes
definhou. Ela diz: ―Ainda será demorada a vinda do Senhor, se é que ele virá!‖
Essa é a sua condição mortal do v. 1. Agora ela é despertada mais uma vez para
o seu serviço de atalaia.
Gramatical e objetivamente ―o
restante‖ não é o mesmo que ―os restantes‖ em Ap 2.24. Aqui não ocorre a
idéia de um resto fiel, antes pensa-se no contexto da igreja em Sardes, que estava
para morrer. Contudo, entre a promulgação e a execução da sentença de morte
forma-se um intervalo de clemência, no qual se precisa do testemunho da igreja.
Porém, seria igualmente possível traduzir: ―que quer morrer‖. Sobre os
condenados passa a dominar a resignação, cf. Ez 33.11: ―Por que é que vocês
estão querendo morrer?‖ (BLH). O ambiente da igreja manifesta esse falta de
vontade, obstinada e desanimada, uma dúvida secreta da graça, do
arrependimento, da mudança e da renovação. No presente contexto ainda não
vigora o quadro terrível de Ap 9.6: ―Naqueles dias, os homens buscarão a morte
e não a acharão; também terão ardente desejo de morrer, mas a morte fugirá
deles‖. Contudo a evolução corre nessa direção. Sardes deve intervir e
instaurar a obediência da fé: Consolida (―Fortalece‖) o resto que quer
morrer! Consta ainda, como o resultado conclusivo de uma investigação judicial:
não tenho achado íntegras as tuas obras na presença do meu Deus. A
igreja, que tinha a fama de ser ―igreja viva‖, ficou devendo uma parcela
decisiva de seu ministério, a saber, o serviço de vigilância na noite da
ausência de fé e esperança. O servo preguiçoso enterrara os seus talentos (Mt
25.25) e vivera para si mesmo.
Novamente temos de recordar
palavras de Ezequiel: Deus criticou os profetas daquele tempo porque deixavam
os ímpios correrem inadvertidamente para a morte e se preservavam a si mesmos
(Ez 13.5; 3.17-19; 33.6; 34.1-6). Em analogia, a igreja não vivia para a sua
missão, que obteve quando se tornou igreja, e para a qual ela foi amada,
redimida e criada (Ap 1.5,6).
3 O terceiro imperativo recorda esses primórdios da
igreja: Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido (―Lembra-te,
pois, de como recebeste e ouviste‖ [tradução do autor]). Do mesmo modo como
Éfeso (cf. Ap 2.5), ela deve retomar o seu começo esquecido. O surgimento da
igreja em Sardes é trazido à memória por meio de expressões que várias vezes
descrevem o despertar para Cristo no NT. No centro estava a pregação missionária. Pessoas
tornavam-se recebedoras e ouvintes. A solicitação de ―lembrá-lo‖ inclui que
Deus mantém de pé a sua palavra. Ele oferece tudo pela segunda vez (cf. o
comentário a Ap 2.5). Contudo, quem recebe e ouve precisa tornar-se alguém que
guarda; e guarda-o. Não existe igreja viva sem essa preservação (cf. Ap
3.10).
Estranhamente o quinto
imperativo a Sardes: e arrepende-te, ocorre em último lugar. Talvez a
comparação com a mensagem do livro de Ezequiel também explique essa seqüência.
Ezequiel fala com muita freqüência do arrependimento, nada menos de sete vezes
tanto no cap. 18 quanto no 33. Todas as vezes, a ênfase está em afastar-se e
largar o pecado. Sob essa premissa, faz sentido que o conceito esteja no final,
na medida em que a nova reflexão, compreensão e preservação do evangelho traga
suas conseqüências: distanciamento da contaminação gentílica, cf. v. 4.
A palavra de advertência (EXCURSO 1d) reveste-se da imagem do assalto do ladrão, já
conhecida de Is 49.9; Jl 2.9, que retorna no NT em Lucas, Paulo, Pedro e João. Se
não vigiares, virei como ladrão (na noite). O ladrão vem como inimigo.
Cristo, um assaltante! O ponto de comparação reside na total falta de
expectativa da parte dos assaltados. E não conhecerás de modo algum em que
hora virei contra ti. A figura não deve ser forçada no sentido de que uma
igreja arrependida e alerta seria informada da hora. Contudo a vinda do Senhor
perde o caráter de assalto para a igreja vigilante (cf. 1Ts 5.3,4). Em Ap 16.15
as correlações mostram-se de modo muito palpável (cf. o comentário
correspondente). Aqui a ênfase está na ignorância fatal para o povo de Deus.
Entre os cristãos de Laodicéia era a falta de reconhecimento sobre si próprios
(Ap 3.17), na igreja em Sardes é a falta de conhecimento de Cristo, que
antecede àquele. Os gentios podem ser desculpáveis por carência de conhecimento,
já os cristãos são onerados por essa carência. ―O meu povo está sendo
destruído, porque lhe falta o conhecimento‖ (Os 4.6). Afinal, ignorância não é
em todos os casos o mesmo que ignorância, assim como tampouco dormir é o mesmo
que dormir. A sonolência da igreja é igual a dormir em serviço (Ap 3.2),
motivo pelo qual traz conseqüências tão graves.
4 Na transição para o oráculo do vencedor, o Senhor
chama atenção para determinados membros da comunidade: Tens, contudo, em
Sardes, umas poucas pessoas que não contaminaram (―lambuzaram‖) as suas
vestiduras. Ao nome de aparência do v. 1 contrapõem-se ―nomes‖ autênticos,
os quais a igreja ―tem‖, a saber, pessoas. Elas são identificadas por suas
vestiduras. Cabe recordar aqui a observação prévia a Ap 1.12-16: aquilo com que
alguém se veste, isso ele é. Vestiduras lambuzadas significam uma essência
pecadora. Em Sardes, como também em outras cidades, o pecado consistia em
descambar para os cultos gentílicos. Ocorre aqui, porém, que as exceções são
elogiadas. É para essas pessoas que vale a promessa: e andarão… junto comigo.
Como tantas partes da passagem, essa expressão evoca a mensagem a Éfeso, a
saber, a comunhão paradisíaca de Ap 2.1. Então elas estarão vestidas na cor da
vitória, branco… pois são dignas (disso). Do enunciado naturalmente se
poderia depreender novamente a idéia judaica do mérito (cf. Ap 2.23). Ou seja,
recebem vestiduras brancas aqueles que na vida terrena mantiveram suas vestes
incontaminadas (que as ―preservaram‖, Ap 16.15), i. é, que superaram a tentação
do mundo gentílico e permaneceram fiéis a Cristo. Contudo, através do que eles
permaneceram fiéis e foram vitoriosos? Pelo sangue do Cordeiro (Ap 12.11), por
lavarem constantemente suas vestes no sangue do Cordeiro (Ap 7.14; 22.14) ou
por adquirirem essas roupas junto a Jesus, sem dinheiro (Ap 3.18). Que ―dignidade‖
eles, portanto, evidenciam na ocasião escatológica de receber os trajes? É
graça! Agraciados receberão, naquela hora, a graça! É óbvio que o termo ―digno‖
procede do pensamento comercial e tem um lugar na teologia judaica do mérito,
contudo aqui ele é preenchido com o evangelho: graça é ―merecida‖ por graça. De
sua plenitude nós recebemos graça sobre graça (Jo 1.16). Essa é e continuará
sendo a descrição perfeita da vida cristã. Tornamo-nos cristãos quando passamos
a ser recebedores sob a pregação missionária (v. 3).
5 O vencedor. A igreja não deve nem precisa ficar com os ―poucos‖ do
v. 4 que permanecem fiéis a Jesus. Contudo, anuncia-se que nos fiéis se
realizam três atos cuja formulação lingüística radica na esfera judicial: será
assim vestido (―revestido‖) de vestiduras brancas. No sistema
jurídico oriental havia o gesto de revestir alguém como sinal de proclamação de
liberdade (como aparece claramente em Ap 6.11). Tirar a roupa significava
desonrar o culpado (Ez 16.39; cf. Ap 3.18; 16.15). E de modo nenhum apagarei
o seu nome do Livro da Vida. Em reuniões do tribunal são abertos livros. O
―livro da vida‖ pode ser melhor explicado a partir de Is 4.3 como a lista dos
cidadãos da nova Jerusalém, anotada por Deus. Ser riscado da lista significaria
ser excluído de seu povo. A esse aspecto refere-se novamente Ezequiel (Ez
13.9), quando fala contra os profetas que fracassam. Contudo Sardes agora não
tem mais o antigo prenome do v. 1. Confessarei o seu nome diante de meu Pai
e diante dos seus anjos. Testemunhar também é parte do tribunal, que está
sendo imaginado numa sessão plena. Cristo se apresenta como testemunha. Ele é o
mesmo que, conforme o v. 4, já acusou a igreja de Sardes (cf. ―na presença do
meu Deus‖ [v. 2], ―diante do meu Pai‖ [v. 5]). Ali também se falava de uma
―apuração‖ legal. Agora, porém, ele não se envergonha de testemunhar
favoravelmente às mesmas pessoas (Hb 2.11). Portanto, no julgamento da igreja
abre-se um novo capítulo de fidelidade, que introduz experiências renovadas da
fidelidade de Deus.
6 Quem tem ouvidos, ouça o
que o Espírito diz às igrejas. Essa
igreja é preenchida com esperança nova, não mais esperada, quando dá ouvidos ao
seu Senhor. Tinha de reconhecer que estava amortecida. Contudo junto de Jesus
há Espírito sem medida. O Senhor mantém sua oferta de vida integralmente de pé.
A igreja ainda se sente letárgica pela pesada sonolência, mas agora ela crê
novamente na sua tarefa em relação ao mundo que a cerca. Suas roupas estão
lambuzadas, porém Jesus mantém à sua disposição uma brancura radiante e um nome
tão convincente que ele pode ser citado na santidade perante Deus e seus anjos.
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